Colecção «Verdades Eternas».10
OBJECÇÕES ACERCA DO ESTADO
INCONSCIENTE DO HOMEM NA MORTE
1a Objecção: Quando Estêvão foi martirizado, orou: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.»
(Actos 7:59). Cristo na cruz disse: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.» (Lucas 23:46).
Isto prova que na morte o homem real, ou seja, a entidade imortal chamada «espírito», deixa
o corpo.
A palavra aqui traduzida por «espírito» deriva da palavra grega pneuma, o que sucede sempre que
se lê «espírito» no Novo Testamento. O sentido primário de pneuma é «vento, ar», e como a vida
está associada tão intimamente com o ar que respiramos, pneuma pode também significar «vida».
Não há nada na palavra pneuma que sugira uma entidade imaterial, consciente.
Estêvão não orou: «Recebe-me. Isto é muito significativo, porque certamente nesta oração está a
falar o homem real, e não apenas o invólucro, o corpo. Se Estêvão acreditasse que os justos vão
para o Céu, por altura da morte, seria legítimo esperar que ele orasse: «Recebe-me na glória.» Mas
Estêvão, o ser animado, ainda consciente, embora moribundo, confiou algo a Cristo – o seu
pneuma, a sua vida.
Estêvão sabia que a sua vida era um dom de Deus. Ele podia dizer, como Job: «O espírito de Deus
me fez.» (Job 33:4). Este grande dom estava prestes a deixá-lo e ele desejava confiá-lo à guarda de
Deus agora, que já não podia retê-lo por mais tempo. Ele acreditava na verdade, mais tarde,
expressa por Paulo: «A vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a
nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis, com ele, em glória.» (Colossenses
3:3-4). Estêvão sabia que no dia da ressurreição receberia de novo a vida, a vida imortal.
A maior parte do que acaba de ler-se acerca das palavras de Estêvão aplica-se, com toda a
evidência, também às palavras de Cristo. Ele confiou à guarda do Seu Pai a vida que estava prestes
a depor pelos pecados do mundo. Na manhã da ressurreição o anjo de Deus chamou-O, desde o
novo túmulo de José, para retomar a vida, que voluntariamente tinha deposto. Assim lemos que
Estêvão ao render o espírito, adormeceu. (Actos 7:60).
2a Objecção: Cristo disse ao ladrão na cruz que estaria com Ele no Paraíso. (Ver Lucas 23:43).
O texto nas traduções portuguesas correntes, reza assim: «Disse-lhe Jesus: em verdade te digo que
hoje estarás comigo no Paraíso.» Os crentes na doutrina de almas ou espíritos imortais apresentam
ousadamente I Pedro 3:18, 20 numa tentativa de provarem que quando Cristo morreu na cruz
desceu a pregar a certas almas perdidas que se encontravam no inferno. Mas essa pretensão
manifesta-se logo desprovida de fundamento quando nos é apresentado este texto de Lucas 23:43 e
se pretende que quando Cristo morreu na cruz foi imediatamente para o Paraíso. Cremos que Cristo
não foi para o Paraíso naquela Sexta-feira da crucifixão, e pelos seguintes motivos:
Se o leitor comparar Apocalipse 2:7 com Apocalipse 22:1-2, verá que o Paraíso é onde está o «trono
de Deus». Portanto, se Cristo foi para o Paraíso naquela Sexta-feira à tarde, Ele foi para a própria
presença de Deus; mas Cristo mesmo, na manhã da ressurreição, declarou a Maria, ao cair ela aos
Seus pés para o adorar: «Não me detenhas (me toques), porque ainda não subi para meu Pai: mas
vai para os meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus.» (João 20:17). Estas palavras de Cristo concordam perfeitamente com as palavras do anjo às
mulheres que foram à sepultura: «Vinde, vede o lugar onde o Senhor jazia.» (Mateus 28:6). Ele
tinha jazido na sepultura e esse foi o motivo porque disse na manhã da ressurreição: «Ainda não
subi para meu Pai.»
Temos, portanto, de ser colocados na embaraçante posição de tentar decidir se aceitamos as
declarações feitas às mulheres por Cristo e pelo anjo na manhã da ressurreição, ou a declaração feita
por Jesus ao ladrão na Sexta-feira à tarde? Não, Cristo não se contradisse. Notai que a conjunção
«que» não aparece no original deste versículo. Os nossos tradutores usaram o seu melhor critério
em colocá-la onde a colocaram, mas o seu trabalho não foi certamente inspirado. Por isso não
necessitamos de nos ater a essa introdução feita recentemente pelos tradutores, quando nos
esforçamos por determinar o pensamento dos escritores de há dezanove séculos.
Se os tradutores, que em geral fizeram excelente trabalho, tivessem posto o «que» de Lucas 23:43
depois de «hoje» em vez de depois de «digo», não estaríamos em presença de uma contradição
aparentemente insolúvel. As palavras de Cristo poderiam então ser correctamente compreendidas
assim: Na verdade te digo hoje (neste dia em que parece que sou abandonado por Deus e pelos
homens e morro como um criminoso comum) que tu estarás comigo no Paraíso. Em vez de ficar
desprovida de sentido, a palavra «hoje» adquire um significado real.
Portanto, Cristo disse, segundo a língua original: Em verdade te digo hoje, comigo estarás no
Paraíso – e não «que hoje».
Construção de frase semelhante ocorre nos escritos do profeta Zacarias: «Voltai à fortaleza, ó presos
de esperança; também hoje vos anuncio que vos recompensarei em dobro.» (Zacarias 9:12). O
contexto mostra que a expressão em «dobro» não devia ocorrer naquele próprio «hoje», mas era um
acontecimento futuro. É evidente que «hoje» qualifica «declaro», da mesma sorte que em Lucas
23:43 «hoje» qualifica «digo», o que não só é gramaticalmente correcto, mas paralelo à linguagem
de Zacarias. Não há, pois, contradição entre a mensagem dada ao ladrão e a anunciada a Maria. E,
devemos acrescentar, não há entidade consciente introduzindo-se no Paraíso naquela triste Sexta-
feira à tarde.
3a Objecção: Como harmonizar com a crença da inconsciência do homem na morte a
narrativa bíblica da feiticeira de Endor, que trouxe Samuel a falar com o rei Saul? (Ver I
Samuel 28:7-19).
Saul ordenara aos seus servos: «Buscai-me uma mulher que tenha o espírito de feiticeira, para que
vá a ela e a consulte. (Versículo 7). Encontraram tal mulher em Endor. A mulher pergunta: «A quem
te farei subir? E disse ele (Saul): Faze-me subir a Samuel.» (Versículo 11). Pouco depois a mulher
declarou: «Vejo deuses que sobem da terra.. ... Vem subindo um homem ancião, e está envolto
numa capa.» (Versículos 13 e 14). «Samuel disse a Saul: Por que me desinquietaste, fazendo-me
subir? ... O Senhor entregará, também, Israel, contigo, na mão dos filisteus, e amanhã tu e os teus
filhos estareis comigo.» (Versículos 15-19).
Esta narrativa nada diz acerca da vinda de Samuel desde os Céus nesta ocasião. Saul emprega as
palavras «faze-me subir». A feiticeira emprega as mesmas expressões ou outras semelhantes:
«subir», «subir da terra», «vem subindo». E a Samuel são atribuídas palavras equivalentes:
«fazendo-me subir». Se alguém pode apoiar-se nesta estranha e trágica história, somos nós, os que
cremos que quando os mortos voltam a esta terra «sobem» «da terra». Mas ao procurarmos provas
acerca do estado do homem na morte não consideramos seguro basearmo-nos nos acontecimentos e
conversações de uma sessão infestada de demónios e condenada por Deus. Todavia, visto que os
crentes na imortalidade da alma apelam para essa sessão, perguntamos: Como harmonizais todas
estas palavras com a vossa crença? Acreditais que os justos mortos estão em cima no Céu e não em
baixo na terra? Podem as palavras «subir da terra» significar descer do Céu?
Além disso, a narrativa descreve assim «Samuel»: «...Um homem ancião ... envolto numa capa».
Seria esta a maneira de um espírito imortal aparecer? Reveste-se ele realmente de um corpo? Neste
caso, onde obtém ele o corpo? Se se respondesse que houve uma ressurreição, nós replicaríamos
que tal confissão vicia o caso, porquanto acreditamos que os mortos podem ressuscitar, mas não
acreditamos que o demónio tenha poder para ressuscitar os mortos, e certamente Deus não estava ao
mando desta feiticeira que se encontrava sob o divino édito de morte por praticar a feitiçaria.
(Levítico 20:27; Deuteronómio 18:10-11).
Mas o registo informa ainda que Saul terminou a sua pecaminosa carreira cometendo suicídio. (I
Samuel 31:4). Mas «Samuel», predizendo a morte de Saul, declarou: «Amanhã tu e teus filhos
estareis comigo». Dizei-nos, por favor, onde habitava Samuel, se o suicida Saul havia de estar com
ele? Realmente maravilhamo-nos de que aqueles que acreditam na doutrina da imortalidade natural
apresentem sempre esta história bíblica, porque, fazendo assim, eles fazem «subir» Samuel da
«terra», quando, segundo o seu ponto de vista, ele devia estar no Céu; e fazem o ímpio Saul «estar
com» o santo Samuel, quando este régio suicida devia, em vez disso, ir para o inferno.
Mas porque fala a história de «Samuel», se na realidade ele não estava ali? O relato não diz que
Saul viu «Samuel», porque quando a feiticeira gritou, ele perguntou: «Que é o que tu vês?» E pouco
depois: «Como é a sua figura?» Se Samuel tivesse realmente estado ali por que o não teria visto
Saul? Só os olhos da feiticeira eram suficientemente agudos para ver um homem ancião ... envolto
numa capa»? Lemos: «Saul, entendendo que era Samuel». A palavra entendendo vem de uma
palavra hebraica diferente de «ver». O sentido é que Saul compreendeu, ou concluiu como resultado
da descrição, dada pela feiticeira, que Samuel estava presente.
A feiticeira enganou a Saul. Ela, enganada também pelo diabo pensava provavelmente que via
Samuel. Saul, por sua vez, aceitou a explicação dela. A narrativa bíblica descreve pois simplesmente
esta sessão espírita de acordo com as suposições da feiticeira e de Saul. Esta é uma linguagem
literária conhecida como linguagem de aparências. Quando a história diz «Samuel», podeis
compreendê-la como significando apenas aquela aparição gerada pelo demónio e que eles
supunham ser Samuel.
4a Objecção: A história do rico e Lázaro, contada por Cristo, comprova a imortalidade da
alma. (Ver Lucas 16:19-38).
Esta história nada diz de almas imortais deixando o corpo pela morte. Pelo contrário, o rico depois
de morrer tinha «olhos» e «língua», ou seja, partes muito reais do corpo. Ele pediu que Lázaro
«molhasse na água a ponta do seu dedo». Se se toma à letra a narrativa, então os bons e os maus,
pela morte, não desaparecem como espíritos intangíveis, mas vão receber as suas recompensas
como seres reais com partes corpóreas. Todavia, como podem eles ir corporalmente, podendo nós
ver os seus corpos na sepultura? Além disso, se se trata de uma narrativa literal, então o Céu e o
Inferno estão suficientemente perto um do outro para que se possa manter uma conversa entre os
habitantes dos dois lugares – situação bastante indesejável, para não dizer mais. Se os crentes na
imortalidade natural pretendem que este seja um quadro literal da geografia do Céu e do Inferno,
devem também compreender os textos acerca das «almas debaixo do altar» clamando vingança
contra os seus perseguidores. (Apocalipse 6:9, 11). Ambas as passagens não podem ser literais. Se
os justos podem realmente ver os ímpios em tortura, para que necessitariam eles de clamar a Deus
por vingança? Quando o rico pediu que Lázaro fosse enviado à Terra para advertir os outros acerca
do Inferno, Abraão respondeu: «Têm Moisés e os profetas: ouçam-nos». E «se não ouvem a Moisés
e aos profetas tão pouco acreditarão, ainda que alguns dos mortos ressuscitem.» (Lucas 16:29, 31).
Assim a narrativa em parte alguma fala de espíritos desincorporados nem sequer quando se trata de
voltar para advertir os outros.
Para evitar a crença de que os espíritos têm corpo e de que o Céu e o Inferno estão tão perto que
permitem conversações entre eles, não seria melhor encarar esta história simplesmente como uma
parábola? Devemos lembrar-nos de que os teólogos concordam unanimemente em que as doutrinas
não devem ser baseadas em parábolas ou alegorias. Uma parábola, como outras ilustrações, é
geralmente usada para tornar vívido um ponto particular. Tentar construir doutrinas sobre cada parte
da história, levará geralmente a absurdos, senão a completas contradições. Alguns que tentam
encontrar na ilustração uma prova para uma crença oposta à que é mantida pelo orador ou escritor
violam a mais elementar regra que preside às alegorias. Afirmamos que, usando esta parábola para
provar que o homem recebe a sua recompensa na altura da morte, levará Cristo a contradizer-se a Si
mesmo.
Noutro local Cristo apresenta claramente o tempo em que os justos receberão a sua recompensa e os
ímpios serão lançados no fogo consumidor: «Quando o Filho do homem vier em sua glória ... e
todas as nações serão reunidas diante dele ... então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde,
benditos do meu Pai ... então dirá, também, aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos.» (Mateus 25:31, 41).
Não há necessidade de alguém voltar para advertir acerca do destino do além-túmulo, porque os
vivos «têm Moisés e os profetas; oiçam-nos.» Nós, os vivos, estamos, portanto, justificados em
compreender a parábola de harmonia com o que os profetas disseram. Malaquias, por exemplo,
declara que «aquele dia vem» (trata-se de um acontecimento futuro) «em que os ímpios sofrerão o
tormento do fogo consumidor». (Malaquias 4:1, 3). Os escritores do Velho Testamento são bem
claros em afirmar que os mortos, tanto justos como ímpios, jazem no silêncio e na inconsciência até
ao dia da ressurreição. (Job 14:12, 15, 20, 21; 13; 19:25, 27; Salmos 115:17; Eclesiastes 9:3, 6, 10).
Tomando a história como parábola ou alegoria é posto de lado o fundamento para interpretar como
literal, a não ser que se pretenda manter que um ponto particular de uma história figurativa deva ser
tomado à letra, embora se crie assim uma contradição directa com as disposições literais de «Moisés
e os profetas» e de Cristo. (Mateus 25).
Cremos que a história é uma parábola, que era um método usual que Cristo empregava no Seu
ensino, embora aqui, como em vários outros casos , Ele não o declara especificamente. Procuremos,
pois, encontrar precisamente a lição que Cristo se estava a esforçar por ensinar e não tentemos fazer
a parábola provar mais do que isso. Evidentemente, Cristo desejava censurar os fariseus, «que eram
avarentos». (Lucas 16:14). Eles, e na realidade muitos judeus, pensavam que as riquezas eram um
sinal do favor de Deus e que a pobreza era sinal do Seu desagrado. Cristo apresentou a lição de que
a recompensa do rico avarento, que nada mais tinha do que migalhas para o pobre, era precisamente
o contrário do que os judeus pensavam.
Isto é o que a parábola pretende ensinar. Seria tão razoável pretender que Cristo ensinava aqui
também que os justos vão literalmente para «o seio de Abraão» e que o Céu e o Inferno estão ao
alcance da voz, como que a recompensa vem imediatamente depois da morte. Cristo chamava a
atenção contra o tirar conclusões falsas desta lição que estava ensinando aos judeus na apresentação
desta história. Sem dúvida Ele acautelava contra isso declarando ao terminar que «Moisés e os
profetas» deviam ser os guias para os vivos no que respeita ao seu destino além da morte.
Sim, três vezes o fez, descrevendo definitivamente a volta de alguém desde os mortos apenas pela
ressurreição.
Empregando a linguagem de alegoria, Ele podia, sem inconveniente, levar um morto inconsciente a travar
conversa, sem levar a conclusões de que os mortos estão conscientes. Noutra parte da Bíblia encontramos a
vívida parábola das árvores que «foram uma vez ... a ungir para si um rei», e da conversa havida entre elas.
(Juízes 9:7, 15; II Reis 14:19). Porque não tentar provar, por esta parábola, que as árvores falam e que têm
reis? Não, direis, isso seria querer provar mais do que o orador pretendia. A mesma regra se aplica à parábola
do rico e Lázaro.
domingo, 21 de fevereiro de 2021
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